Espetáculo teatral do Festival Internacional de Artes Cênicas

“Jeremias, Profeta da Chuva”

Era tarde de sábado, dia 31 de outubro, e eu já tinha programação marcada para a noite, iria assistir um filme no cinema e partir pra um boteco ou uma boate da cidade, como faço todo fim de semana. Por volta das 17 horas, dois amigos me ligaram dizendo que estavam no Teatro Castro Alves comprando os ingressos para a última peça disponível no ultimo dia do Festival de Artes Cênicas da Bahia e que todas as outras cinco apresentações do dia já estavam com os ingressos esgotados, inclusive a que nos parecia ser o melhor espetáculo da noite, Rainha(s), duas atrizes em busca de um coração no Teatro Vila Velha; de imediato lembrei do trabalho para a disciplina, Cultura Baiana e Brasileira e tive que mudar o meu programa de sábado; Lissandra e Junior compraram os nossos ingressos e o de mais cinco amigos, o que acabou com os bilhetes para a apresentação.

Às 19 horas já estávamos no Campo Grande aguardando o horário da apresentação que começaria às 21 horas, a única informação que tínhamos sobre a peça é que narrava uma história Bíblica, o que provavelmente iria tornar a nossa programação uma chatice.

Antes de o espetáculo começar os atores fizeram o Suryanamaskar, coisa que na hora eu não sabia o que era, ainda que tenha achado bonito, mas hoje sei que foi uma saudação ao Sol por ele estar em todos os lugares mesmo quando está tudo escuro. E era assim que todo o palco estava, muito escuro, choviam grãos de areia que arriavam os baldes que por sua vez estavam amarrados a elementos que sumiam e/ou apareciam no cenário.

Jeremias era o maior profeta da região, todos acreditavam em suas visões e alguns até respaldavam as suas principais decisões em tudo que era dito por ele. Porém, Jeremias não fazia as suas profecias de maneira comum, como pressupõe se que seja através de sonho ou intuição. Jeremias fazia experiências com a natureza, estudava os ventos, os cantos dos pássaros, a teias de aranha que sua mulher era obrigada a deixar se criar em casa, as estrelas no céu e os cupins; eram esses últimos os bichos responsáveis pela experiência que mudou a minha visão sobre a peça. Jeremias analisava a areia com uma faca na busca de cupins que poderiam estar ali; foi quando ele viu que todos os cupins ainda estavam no chão o que significava que não iria chover, pois quando chove os cupins criam asas, asas de agradecimento a Deus por dias bons. Durante a apresentação surgem personagens que fazem um espetáculo a parte como o “Seu Lunário” que ensina como tornar a água aproveitável por pelos menos 3 vezes, “Graciliano” que sonha em aparecer na televisão com a arte que faz na sua bicicleta, e Dona Docha, uma rezadeira que me arrancou gargalhadas em todas as suas falas.

Mesmo com toda a luta pela sobrevivência, o que me causou uma reflexão sobre a nossa realidade, a realidade brasileira, os personagens vivem de maneira positiva com as suas músicas, seus rituais, festejos, com suas crenças e seus costumes.

No final da história a profecia de Jeremias, pra felicidade de todos, não acontece, assim então os cupins criaram asas.

Documentário do Festival Internacional de Cinema

“De volta ao quarto 666”

No dia 14 de outubro fui para a faculdade mas a professora havia cancelado a aula do dia, sem querer ir pra casa acabei ficando por lá e a coordenadora do curso me vendo “jogar conversa fora” com os amigos nos intimou a assistir um filme que iria passar no Auditório Zélia Gattai.

Fomos os primeiros a chegar no espaço, onde até então só estava o diretor do filme, a produtora e o operador de áudio e vídeo da faculdade. Esperamos o inicio da exibição do filme, ainda indecisos se ficaríamos até o final ou não mas dispostos a gostar do que iriamos assistir.

Tratava-se de um documentário de um documentário. “De volta ao quarto 666” foi inspirado no “Quarto 666” de Wim Wenders, rodado em Cannes, durante o festival de 1982, nesse filme Wenders reune grandes diretores e escreve perguntas para que se discuta a respeito do futuro do cinema. O cenário é muito simples e sempre o mesmo: uma cadeira com o convidado em frente a uma câmera fixa e um televisão ligada dentro de um quarto de hotel.
Gustavo Spolidoro, diretor de “De volta ao quarto 666” estruturou o seu documentário da mesma maneira que o filme de 1982, a exceção da televisão ligada no quarto do hotel que deu lugar a um notebook que passava cenas de “O quarto 666” sendo comentadas por Wim Wenders, idealizador do primeiro filme.
O conteúdo do documentário é muito bom, discute-se o futuro do cinema em uma liguagem facil de entender, partindo de questionamentos triviais como: Os videocassetes vão acabar com as salas de cinema? Os filmes estão ficando cada vez mais televisivos? Vivemos a era da morte da arte cinematográfica? E mais interessante ainda é perceber a linha tênue entre o que foi respondido a 26 anos atrás e o que acontece hoje.

Wim Wenders deu uma aula sobre o papel do cinema, como mais que um produto audiovisual na sociedade, mas também exemplificou, da maneira mais sucinta possível, como me deixar entediado. Achei cansativo, foram minutos que não acabavam enquanto eu me deparava com a mesma cena, um personagem apático e “seres” – cenas dos diretores do primeiro filme – que davam um ar fantasmagórico ao documentário.

Gostei do que aprendi mas talvez eu não fosse o público alvo de Gustavo Spolidoro, ao menos nesse filme, porque durante o debate após exibição do vídeo, o diretor falou mais sobre suas obras e me convenceu até a recomendar que mais pessoas assistam “De volta ao quarto 666”.

Festa de Candomblé

Festa do Terreiro Ilê Axé Opó Afonjá

Na última segunda-feira, dia 26 de outubro às 20 horas, aconteceu no Terreiro Ilê Axé Opó Afonjá a festa em homenagem a Omolu, Oxumaré e Nanã.

O ritual fechado começou antes mesmo da festa começar pois é preciso haver um preparo para a cerimônia pública, que tem por objetivo a presença do orixás, para isso o local foi enfeitado com folhas no chão, bandeirolas e tecidos nas cores azul, branco e vermelho; além disso foram usados os simbolos dos três orixás festejados, a serpente arco-iris representando Oxumaré, o xaxará simbolizando Omolu e o ibiri, instrumento musical segurado por Nanã.

As 20 horas os filhos de santo se organizaram circularmente no espaço do terreiro denominado “barracão” onde se encontram os atabaques que dão ritmo a cerimônia que é essencialmente musical. Haviam espaços distintos reservados para homens e mulheres visitantes que assistiam a celebração, além disso uma area onde ficavam as pessoas aptas a darem a assitencia precisa durante o ritual.

As músicas eram cantadas em iorubá numa sequencia que parecia estar sendo seguida a partir do culto a cada santo; a medida que as cantigas iam sendo tocadas aconteciam as manifestações, que embora pudesse ser vista, talvez de maneira etnocêntrica, por quem segue outros preceitos religiosos e trata a mediunidade com outra responsabilidade, ainda assim aguçavam o interesse de quem assistia na busca de uma ampliação de repertório.

Alguns filhos de santo, já incorporados, aos poucos foram saindo do barracão enquanto as manifestações mediúnicas continuavam, depois as pessoas que tinham saído voltaram vestidas já com as roupas de cada santo as quais eram adeptas e deram continuidade a cerimônia. Por fim foi feita uma fila para que as pessoas recebessem a comida, que fazia parte do ritual, vindo enrolada em folhas de bananeira e acompanhadas de uma bebida de milho e gengibre. A cerimônia terminou por volta de meia noite embora ainda acontecesse um ritual fechado ao público.

Elemento baiano oriundo das matrizes

“Baianidade”
Se fosse para pensar em um elemento brasileiro oriundo de uma das três matrizes eu confesso que nem sei do que iria falar, mas se é pra falar da cultura baiana, não tem elemento melhor do que a própria baianidade.

A baianidade define o modo de vida dos baianos, ela é a mistura de características espirituais, predisposições mentais e de sincretismo musicais, bem definidos, expressos em uma linguagem própria, e essa imagem da Bahia está inseparavelmente ligada à cultura afro-brasileira.

Mesmo conseguindo indentificar uma contribuição da cultura indígena e portuguesa, o maior valor sem dúvida está na contribuição negra, seja através da culinária, da religiosidade, da música ou das manifestações folclóricas.

Porém, ao divulgar a cultura do estado precisamos antes de mais nada acabar com o esteriotipo negro na representação da baianidade, porque também somos brancos e indios, além disso a religiosidade africana não deve ser vista como elemento primordial na cultura da Bahia, porque aqui também são praticadas outras religiões.
Enfim, a Bahia é um um pólo de convergência da cultura brasileira, e assim sendo, precisa se orgulhar e manter viva as crenças e costumes oriundas de todas as nossas três matrizes etnicas.

O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil

RIBEIRO, Darcy, 1922-1997. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Ed. Companhia das Letras, 2ª edição, 1995, São Paulo – SP

Darcy Ribeiro nasceu em Minas Gerais. Formou-se em Antropologia, no estado de São Paulo, e fundamentou a maioria de seus trabalhos ao estudo dos índios, da Amazônia, do Pantanal e do Brasil Central. Foi o fundador do Museu do Índio e do Parque Indígena do Xingu. Defendeu veemente a causa indígena. Criou a Universidade de Brasília; idealizou a Universidade Estadual do Norte Fluminense; foi Ministro da Educação e Ministro-Chefe da Casa Civil.
O Povo Brasileiro é uma obra que busca refletir sobre a formação e o sentido do Brasil. Reconstituindo a história desde as matrizes afro, lusa e tupi, Darcy Ribeiro trabalha contra o etnocentrismo em relação a visão sobre a ineficiência lusitana na colonização do país, uma vez que “nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo” (p.19, l.6) nasce também uma nova etnia, um novo modelo de estruturação social e econômico, e se a expansão européia é responsável pelo desgaste da população que recrutou no país, também é pela tradição civilizatória. Ainda na introdução, o autor atenta para o fato de que “a confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis” (p.20, l.14) no entanto ocorreu o contrário, já que além da fisionomia e da consciência de uma herança cultural os povos não se dividiram em minorias regionais, raciais, existindo apenas algumas exceções que vivem como tribos cercadas pela população brasileira, tendo os seus costumes conservados e ainda assim não sendo capaz de mudar a unidade étnica brasileira, que é formada por três aspectos distintos: o ecológico, o econômico e a imigração. E é considerando as paisagens já distintas no meio ambiente, as novas formas de produção e as novas nações recém-chegadas ao país que Darcy Ribeiro distingui o brasileiro “como sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e Centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, nipo-brasileiros etc” (p.21, l.15), e, juntos, esses grupos formam uma nação, se comportando como uma só gente independente das diferentes adaptações regionais, ou da fisionomia e dos distintos modos de produção. É essa unidade nacional, diferente da uniformidade cultural européia, o resultado da formação do povo brasileiro, onde “esconde-se uma profunda distância social, gerada pelo tipo de estratificação que o próprio processo de formação nacional produziu” (p.23, l.10); esse antagonismo de classes opões uma camada privilegiada a maioria da população, fazendo das distâncias sociais e econômicas fatores a serem mais relevados que as diferenças sociais, pois “O povo-nação não surge no Brasil da evolução de formas anteriores de sociabilidade, em que grupos humanos se estruturam em classes opostas, mas se conjugam para atender às suas necessidades de sobrevivência e progresso” (p.23, l. 17). Porém, os estratos sociais acabam por passar despercebidos pelos brasileiros, que se preocupam apenas com a democracia racial, ignorando a barreira existente entre os ricos e os pobres. “O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido” (p.24, l.26), talvez por isso essa ideologia se potencialize através das lutas dos índios e dos negros contra a escravidão, e atos assim acontecem até hoje, quando grupos buscam um projeto alternativo de estruturação social, mas é importante lembrar que por conta de lutas como essas índios e negros foram chacinados sendo sempre vencidos a escuridão. Nos últimos parágrafos da introdução, Darcy Ribeiro atenta para o grande desafio do Brasil que “é alcançar a necessária lucidez para concatenar essas energias e orientá-las politicamente, com clara consciência dos riscos de retrocessos e das possibilidades de liberação que elas ensejam” ( p.25, l.22).
O primeiro texto do capítulo “O Novo Mundo” tem como base as matrizes étnicas do país. Discorrendo sobre a Ilha Brasil, a matriz tupi e a lusitanidade, Darcy Ribeiro fala sobre o choque entre as culturas a partir do descobrimento da Ilha Brasil. Um conflito que não foi somente biótico, mas também ecológico, econômico e social, umas vez que desde a guerra bacteriológica travada pelos povos, da disputa de territórios e riquezas até a mercantilização das formas de produção transfigurando uma nova etnia. “Era o brasileiro que surgia, construído com os tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas (p.30, l.22).
O autor nos dá uma nova visão sobre o inicio da formação do Brasil, “porque só temos o testemunho de um dos protagonistas, o invasor. Ele é quem nos fala de suas façanhas. É ele, também, quem relata o que sucedeu aos índios e aos negros, raramente lhes dando a palavra de registro de suas próprias falas. O que a documentação copiosíssima nos conta é a versão do dominador” (p.30, l.27). Diante disso a matriz tupi é detalhada, porque “apesar da unidade lingüística e cultural que permite classificá-los numa só macroetnia, oposta globalmente aos outros povos designados pelos portugueses como tapuias (ou inimigos), os índios do tronco tupi não puderam jamais unificar-se numa organização política que lhes permitisse atuar conjugadamente. (pp.32,23; l.29,1), porém os povos indígenas não conseguiram estabelecer uma paz estável com os portugueses, o que acarretava em novas disputas para dominar cada região. No que diz respeito a lusitanidade, Darcy Ribeiro não deixa de citar os interesses transformadores da revolução mercantil ativando o complexo poderio português: “suas ciências eram um esforço de concatenar com um saber a experiência que se ia acumulando. E sobretudo, fazer praticar esse conhecimento para descobrir qualquer terra achável, a fim de a todo o mundo estruturar num mundo só, regido pela Europa. Tudo isso com o fim de carrear para lá toda a riqueza saqueavel e, depois, todo o produto da capacidade de produção dos povos conscritos” (pp.38,39, l.34,1).
No segundo texto, “O Enfrentamento dos Mundos”, o autor apresenta as opostas visões, desde como os índios perceberam a chegada do europeu o que “mais tarde, com a destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam em suas redes se deixavam morrer” (p.43, l.7). até como a civilização portuguesa se impôs “primeiro, como uma epidemia de pestes mortais. Depois, pela dizimação através de guerras de extermínio e da escravização (p.41, l.8). Em pouco tempo as povoações indígenas desapareceram dando lugar aos escravos africanos e aos mamelucos e brancos pobres, além de índios escravos ou concentrados em aldeias, e missionários seguindo o processo jesuítico de colonização do Brasil. “Assim, foi surgindo uma etnologia recíproca, através da qual uns iam figurando o outro. A ela correspondeu, na Europa, um compêndio de interpretações” (p.57, l.15).
Já no segundo texto do capítulo “Gestação Étnica” intitulado como “Moinhos de gastar gente”, Darcy fala do processo de fusão da matrizes indígena, negra e lusitana. Primeiro descreve a relação entre o português e os brasilíndios: “o que buscavam no fundo dos matos a distâncias abismais era a única mercadoria que estava a seu alcance: índios para uso próprio e para a venda; índios inumeráveis, que suprissem as suas necessidades e se renovassem à medida que fossem sendo desgastados; índios que lhes abrissem roças, caçassem, pescassem, cozinhassem, produzissem tudo o que comiam, usavam ou vendiam; índios, peças de carga, que lhes carregassem toda a carga, ao longo dos mais longos e ásperos caminhos” (p.106, l.17). Depois o autor fala sobre a contribuição do negro para a cultura país que “foi pouco relevante na formação daquela protocélula original da cultura brasileira. Aliciado para incrementar a produção açucareira, comporia o contingente fundamental da mão-de-obra. Apesar do seu papel como agente cultural ter sido mais passivo que ativo, o negro teve uma importância crucial, tanto por sua presença como a massa trabalhadora que produziu quase tudo que aqui se fez, como por sua introdução sorrateira mas tenaz e continuada, que remarcou o amálgama racial e cultural brasileiro com suas cores mais fortes (p.114, l.11). E por fim, depois de discorrer sobre os neobrasileiros e o processo de formação dos povos americanos, Darcy exprime o que sente a respeito do processo de construção da etnia e o ser e a consciência.
“O Povo brasileiro” tem ainda mais três capítulos, onde o autor percorre a história do Brasil para explicar as suas distinções do país como Brasil crioulo, Brasil caboclo, Brasil sertanejo, Brasil caipira e Brasis sulinos. No último capítulo Darcy Ribeiro escreve sobre o destino do país.