O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil

RIBEIRO, Darcy, 1922-1997. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Ed. Companhia das Letras, 2ª edição, 1995, São Paulo – SP

Darcy Ribeiro nasceu em Minas Gerais. Formou-se em Antropologia, no estado de São Paulo, e fundamentou a maioria de seus trabalhos ao estudo dos índios, da Amazônia, do Pantanal e do Brasil Central. Foi o fundador do Museu do Índio e do Parque Indígena do Xingu. Defendeu veemente a causa indígena. Criou a Universidade de Brasília; idealizou a Universidade Estadual do Norte Fluminense; foi Ministro da Educação e Ministro-Chefe da Casa Civil.
O Povo Brasileiro é uma obra que busca refletir sobre a formação e o sentido do Brasil. Reconstituindo a história desde as matrizes afro, lusa e tupi, Darcy Ribeiro trabalha contra o etnocentrismo em relação a visão sobre a ineficiência lusitana na colonização do país, uma vez que “nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo” (p.19, l.6) nasce também uma nova etnia, um novo modelo de estruturação social e econômico, e se a expansão européia é responsável pelo desgaste da população que recrutou no país, também é pela tradição civilizatória. Ainda na introdução, o autor atenta para o fato de que “a confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis” (p.20, l.14) no entanto ocorreu o contrário, já que além da fisionomia e da consciência de uma herança cultural os povos não se dividiram em minorias regionais, raciais, existindo apenas algumas exceções que vivem como tribos cercadas pela população brasileira, tendo os seus costumes conservados e ainda assim não sendo capaz de mudar a unidade étnica brasileira, que é formada por três aspectos distintos: o ecológico, o econômico e a imigração. E é considerando as paisagens já distintas no meio ambiente, as novas formas de produção e as novas nações recém-chegadas ao país que Darcy Ribeiro distingui o brasileiro “como sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e Centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, nipo-brasileiros etc” (p.21, l.15), e, juntos, esses grupos formam uma nação, se comportando como uma só gente independente das diferentes adaptações regionais, ou da fisionomia e dos distintos modos de produção. É essa unidade nacional, diferente da uniformidade cultural européia, o resultado da formação do povo brasileiro, onde “esconde-se uma profunda distância social, gerada pelo tipo de estratificação que o próprio processo de formação nacional produziu” (p.23, l.10); esse antagonismo de classes opões uma camada privilegiada a maioria da população, fazendo das distâncias sociais e econômicas fatores a serem mais relevados que as diferenças sociais, pois “O povo-nação não surge no Brasil da evolução de formas anteriores de sociabilidade, em que grupos humanos se estruturam em classes opostas, mas se conjugam para atender às suas necessidades de sobrevivência e progresso” (p.23, l. 17). Porém, os estratos sociais acabam por passar despercebidos pelos brasileiros, que se preocupam apenas com a democracia racial, ignorando a barreira existente entre os ricos e os pobres. “O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido” (p.24, l.26), talvez por isso essa ideologia se potencialize através das lutas dos índios e dos negros contra a escravidão, e atos assim acontecem até hoje, quando grupos buscam um projeto alternativo de estruturação social, mas é importante lembrar que por conta de lutas como essas índios e negros foram chacinados sendo sempre vencidos a escuridão. Nos últimos parágrafos da introdução, Darcy Ribeiro atenta para o grande desafio do Brasil que “é alcançar a necessária lucidez para concatenar essas energias e orientá-las politicamente, com clara consciência dos riscos de retrocessos e das possibilidades de liberação que elas ensejam” ( p.25, l.22).
O primeiro texto do capítulo “O Novo Mundo” tem como base as matrizes étnicas do país. Discorrendo sobre a Ilha Brasil, a matriz tupi e a lusitanidade, Darcy Ribeiro fala sobre o choque entre as culturas a partir do descobrimento da Ilha Brasil. Um conflito que não foi somente biótico, mas também ecológico, econômico e social, umas vez que desde a guerra bacteriológica travada pelos povos, da disputa de territórios e riquezas até a mercantilização das formas de produção transfigurando uma nova etnia. “Era o brasileiro que surgia, construído com os tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas (p.30, l.22).
O autor nos dá uma nova visão sobre o inicio da formação do Brasil, “porque só temos o testemunho de um dos protagonistas, o invasor. Ele é quem nos fala de suas façanhas. É ele, também, quem relata o que sucedeu aos índios e aos negros, raramente lhes dando a palavra de registro de suas próprias falas. O que a documentação copiosíssima nos conta é a versão do dominador” (p.30, l.27). Diante disso a matriz tupi é detalhada, porque “apesar da unidade lingüística e cultural que permite classificá-los numa só macroetnia, oposta globalmente aos outros povos designados pelos portugueses como tapuias (ou inimigos), os índios do tronco tupi não puderam jamais unificar-se numa organização política que lhes permitisse atuar conjugadamente. (pp.32,23; l.29,1), porém os povos indígenas não conseguiram estabelecer uma paz estável com os portugueses, o que acarretava em novas disputas para dominar cada região. No que diz respeito a lusitanidade, Darcy Ribeiro não deixa de citar os interesses transformadores da revolução mercantil ativando o complexo poderio português: “suas ciências eram um esforço de concatenar com um saber a experiência que se ia acumulando. E sobretudo, fazer praticar esse conhecimento para descobrir qualquer terra achável, a fim de a todo o mundo estruturar num mundo só, regido pela Europa. Tudo isso com o fim de carrear para lá toda a riqueza saqueavel e, depois, todo o produto da capacidade de produção dos povos conscritos” (pp.38,39, l.34,1).
No segundo texto, “O Enfrentamento dos Mundos”, o autor apresenta as opostas visões, desde como os índios perceberam a chegada do europeu o que “mais tarde, com a destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam em suas redes se deixavam morrer” (p.43, l.7). até como a civilização portuguesa se impôs “primeiro, como uma epidemia de pestes mortais. Depois, pela dizimação através de guerras de extermínio e da escravização (p.41, l.8). Em pouco tempo as povoações indígenas desapareceram dando lugar aos escravos africanos e aos mamelucos e brancos pobres, além de índios escravos ou concentrados em aldeias, e missionários seguindo o processo jesuítico de colonização do Brasil. “Assim, foi surgindo uma etnologia recíproca, através da qual uns iam figurando o outro. A ela correspondeu, na Europa, um compêndio de interpretações” (p.57, l.15).
Já no segundo texto do capítulo “Gestação Étnica” intitulado como “Moinhos de gastar gente”, Darcy fala do processo de fusão da matrizes indígena, negra e lusitana. Primeiro descreve a relação entre o português e os brasilíndios: “o que buscavam no fundo dos matos a distâncias abismais era a única mercadoria que estava a seu alcance: índios para uso próprio e para a venda; índios inumeráveis, que suprissem as suas necessidades e se renovassem à medida que fossem sendo desgastados; índios que lhes abrissem roças, caçassem, pescassem, cozinhassem, produzissem tudo o que comiam, usavam ou vendiam; índios, peças de carga, que lhes carregassem toda a carga, ao longo dos mais longos e ásperos caminhos” (p.106, l.17). Depois o autor fala sobre a contribuição do negro para a cultura país que “foi pouco relevante na formação daquela protocélula original da cultura brasileira. Aliciado para incrementar a produção açucareira, comporia o contingente fundamental da mão-de-obra. Apesar do seu papel como agente cultural ter sido mais passivo que ativo, o negro teve uma importância crucial, tanto por sua presença como a massa trabalhadora que produziu quase tudo que aqui se fez, como por sua introdução sorrateira mas tenaz e continuada, que remarcou o amálgama racial e cultural brasileiro com suas cores mais fortes (p.114, l.11). E por fim, depois de discorrer sobre os neobrasileiros e o processo de formação dos povos americanos, Darcy exprime o que sente a respeito do processo de construção da etnia e o ser e a consciência.
“O Povo brasileiro” tem ainda mais três capítulos, onde o autor percorre a história do Brasil para explicar as suas distinções do país como Brasil crioulo, Brasil caboclo, Brasil sertanejo, Brasil caipira e Brasis sulinos. No último capítulo Darcy Ribeiro escreve sobre o destino do país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário